Uma última campanha

Um conto sobre RPG

– É, isso foi realmente incrível. Agora só me resta dizer ao mundo quem você é. Contar a sua estória.

– Não, não quero que faça isso.

– Mas por quê? Você é uma pessoa fantástica!

– Discordo.

– Modéstia.

– Não tenho isso.

– Não entendo. Você fez algo fantástico! Essa estória é incrível. Conhecê-la vai ajudar muitas pessoas. Não quer que lembrem de você?

– Tanto faz

– Você é um cara misterioso.

– Sou melhor que aqueles que correm com as pernas, lutam com os punhos e sonham com a razão… pelo simples fato de correr com o pensamento, lutar com o espírito e sonhar com o coração.

– Profundo, é uma frase sua?

– Tsc… de que isso importa.

– Mas fiquei na duvida. Foi você quem disse isso?

– Um mendigo … … … num dia de chuva em 1999. Acho que ele tava bêbado.

Ele riu. Eu não entendi. E de repente ficou sério:

– É a verdade, e não a autoria, que dá poder às palavras.

– Exato! Por isso quero que o mundo saiba dessa verdade! Da sua verdade.

– Ótimo.

– Então vou contar sua estória pro mundo!

– Não, não quero.

– Sei que você é um cara de mistérios, mas poderia explicar?

– Dar-lhes um nome é mais uma forma de massificação. É só uma palavra que vão repetir para lembrar um fato. Até que o nome se torne mais importante que o acontecimento, e tudo perca seu significado. Não quero que tenham uma imagem para admirar ou um nome para repetir. As pessoas se prendem fácil demais às pequenas coisas. Se vão lembrar, que lembrem do fato em si, sem nome nem imagem. Que seja o ocorrido a própria identidade da lembrança. Só assim… talvez…  com o tempo… as pessoas não esqueçam o que é importante.

Aí de repente, como um click em minha mente entendi, finalmente: toda aquela encenação, todo aquele teatro de antes, o faz de conta, as situações em que ele me colocou, as suposições que fez e as escolhas que me fez fazer enquanto contava sua estória. Achei que era apenas o jeito excêntrico daquele velhinho. Na verdade não.

Se eu quisesse passar aquela bela mensagem não ia ser algo tão simples como contar uma estória. Nem algo clichê como ser eu mesmo o exemplo vivo das lições que aprendi. A única forma de passar adiante aquela lição de vida seria fazer com que eles vivessem aquelas situações e vissem através de suas próprias experiências aquela estória. A compreensão verdadeira daquilo tudo vinha, não da estória em si ou de seu desfecho inesperado, mas sim do fato de tomar para si a perspectiva de quem fizera todas aquelas escolhas: a imersão na estória, a participação nos acontecimentos e o manejo de suas consequências.

Ele não queria que eu contasse aquela estória, contá-la apenas … seria vago, superficial, supérfluo. Clamá-lo como o autor de um grande livro seria falso por que ele não escrevera aquela estória sozinho. Quaisquer imagens, figuras ou ilustrações poderiam ser errôneas já que o enredo pode tomar rumos diferentes e algumas personagens poderiam nem sequer surgir, ou sobreviver para aparecer no caminho do herói daquela fábula.

Eu finalmente tinha entendido o começo tão estranho que teve aquela nossa conversa, que era pra ser uma sessão de 4 horas, mas que agora já tinha durado umas 20 sessões:

– Olá, é do senhor que o meu amigo tanto me falou?

– Heh heh heh, huh HuuuH…  Cof COF cof… rsrsrs … é acho que sim. Senta aqui vou te mostrar uma coisa bem legal.

– É ele me disse que o senhor tinha uma grande estória pra me contar

– Senta aí que eu vou te ensinar um jogo.

 

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